Filhos: o reflexo de uma continuidade

                     Como deve ser olhar para alguém e se ver idêntico a outra pessoa? 
          Foi esta pergunta que me veio a mente quando eu vi o filhinho de um amigo que havia encontrado uma velha foto do pai quando pequeno e jurava que era ele mesmo.
       Desde pequena pensava que deveria ser um barato ter um irmão gêmeo, eu achava muito legal poder ver alguém a sua semelhança todos os dias e poder ter companhia 24horas. Quando eu tinha uns 13 anos os cientistas ingleses fizeram a clonagem da ovelha Dolly, não se falava em outra coisa e eu pensava "... melhor do que ter irmão gêmeo é ter um clone!" Até a novidade científica virar tema de novela e por meio da dramaturgia eu ter percebido que um clone não seria "você" duplicado, mas sim um outro com desejos, vontades, medos totalmente diferentes e aí eu tive que me contentar com a minha "singularidade".
          O tempo passou e hoje observando os filhos de pessoas próximas fiquei maravilhada com o sentido que a maternidade/paternidade traz ao ser humano.  Além do clássico conceito de ter alguém que vai "levar o nome da família adiante", um bebê proporciona algo único para os avós e para os pais: atualização simbólica e concreta. 
Gabriela Duarte
Regina, Gabriela Duarte e a neta Manuela
      O DNA não é a única coisa transmitida hereditariamente, em muitos casos crianças que não conheceram o pai ou o conheceram apenas por um curto espaço de tempo, por exemplo, tem trejeitos idênticos. As semelhanças físicas também são curiosas, as crianças possuem traços dos genitores e esta característica possivelmente surgiu para que houvesse facil identificação entre os demais bebês do "bando", pois este seria um igual, facilitando o processo de empatia e zelo.
      Sublime deve ser observar algo teu em outra pessoa, um gesto, a fala, o contorno dos olhos, o jeito de andar. Em um primeiro momento é quase uma miniatura sua e com o passar do tempo toma formas diferentes, gostos, receios e escolhas próprias.
        Uma vez ouvi uma mãe dizendo que um filho é a maior obra divina existente e percebendo a magnitude disso é impossível não ver que nela (obra divina) há uma parcela genuína e outra adquirida por meio das relações estabelecidas com o ambiente que a cerca.  Certamente o avô vê sua continuidade no filho e especialmente no neto. Ao olhar este novo membro da família a sua infância também é revivida e com ela todas as passagens. O ciclo da vida fica evidente e a noção de finitude também o cerceia: começo e fim convivendo ao mesmo tempo, unidos pelas belas surpresas do universo.


Veja também:

Escola: E agora?

“Há escolas que são gaiolas." (Rubem Alves) 




We don't need no education                                        Nós não precisamos de nenhuma educação
We don't need no thought control                               Não precisamos de controle mental
No dark sarcasm in the classroom                              Chega de humor negro na sala de aula
Teachers leave them kids alone                                 Professores, deixem as crianças em paz
Hey! Teacher! Leave them kids alone!                      Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz!
All in all, you're just another brick in the wall          Todos são somente tijolos na parede

All in all, it's just another brick in the wall              Tudo era apenas um tijolo no muro
(Pink Floyd - Another Brick In The Wall)


Há alguns dias atrás eu participei de uma destas provas de avaliação de desempenho em uma escola de Ensino Médio e Fundamental. Confesso que foi uma experiência estranha, pois eu não tinha em minhas lembranças o tamanho do caos que esta instituição alcançou. A primeira coisa que me incomodou foram as grades, cadeados e salas de aulas com portas de ferro sem maçanetas; as escadas que separavam os andares tinham grades fechadas por cadeados criando um ambiente totalmente reclusivo. 

Inevitavelmente a música Another brick in the wall da banda Pink Floyd citada acima me veio a mente com suas batidas marcantes e uma sensação de angústia e tristeza. A pergunta que soava na minha cabeça era a seguinte: "Se nossas crianças de hoje serão o futuro de amanhã como podemos entregá-las a este modelo instituicional falido e fadado ao fracasso?" Ao passar entre um dos corredores ouvi as palavras desesperadas de um professor que buscava conscientizar seus alunos da importância dos estudos. E ele disse mais ou menos assim: " quem não tem estudo e entrega seu destino na mão de uma minoria não terá dignidade, não fará valer os seus direitos, muito menos respeito... e rapidamente será massa de manobra ou  reserva de mão-de-obra desqualificada". A sentença caiu feito um piano sobre mim, ampliando a realidade e mostrando um ponto de vista que embora pareça macabro é o amanhã que será destinado a maioria da população se continuarmos assim. Em outro corredor a coordenadora tentava controlar os alunos aos berros com uma postura rídiga e opressora, fazendo inveja até ao capitão Nascimento do filme BOPE. Ficou claro diante daquela situação que ela estava fazendo o melhor que podia, entretanto sem levar em consideração que este "militarismo" todo com um toque de perversidade é apenas uma demonstração da falsa sensação de controle temporário frente a grandes conflitos, principalmente com adolescentes.

Pinóquio às avessasConversando com uma colega sobre esta vivência na escola ela me indicou um livro muito bacana "Pinóquio as Avessas: uma estória sobre crianças e escolas para os pais e professores" de Rubem Alves (pedagogo, filosofo, escritor e psicanalista), uma das figuras mais respeitadas no Brasil.  O autor recriou a  história de Pinóquio, o famoso boneco de madeira que ganha vida, mas nesta versão ele aponta para o perigo que correm as crianças ingressantes em escolas que não levam em consideração as habilidades e o potencial criativo de seus alunos, tentando a todo custo enquadrá-las num sistema educacional sufocante, anacrônico e conservador. Justamente por isso o conto é apresentado "às avessas" para provocar uma reflexão que suscite mudanças significativas em favor de uma educação edificante, que preserve no ser humano a capacidade de sonhar, de criar, de transformar, de se realizar.

Dentro deste contexto é impossível não lembrar do famoso livro "Vigiar e Punir" de Michel Foucault onde ele descreve a raiz do processo de disciplinarização contida em diferentes instituições (escola, hospital, quartéis). De acordo com a colunista da Revista Cult Maria Rita de Assis Cesar "O nascimento da chamada escola disciplinar se deu em um período de intensas modificações nas estruturas de poder, as quais deram origem ao aparato social e político que Foucault denominou “sociedade disciplinar”. Dentre todas as instituições disciplinares, a escola possui a maior abrangência, pois é nela que os indivíduos passam a maior parte da sua formação, até que estejam prontos para a vida adulta. Por sua vez, a disciplina no interior da instituição educacional não se restringe ao corpo, pois ali também ocorre a submissão dos conhecimentos à disciplina institucional, isto é, a escolarização dos saberes.  A passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle permite entender as mudanças pelas quais a instituição escolar vem passando desde a última década a fim de tornar-se a instância de produção do novo sujeito moral, o sujeito flexível, tolerante e supostamente autônomo, requerido pelas novas modulações do controle que gravitam entre o Estado e o mercado neoliberal. Nesse processo, tornaram-se decisivas novas tecnologias informacionais, nutricionais, educativas e físicas, as quais se destinam a ampliar as capacidades corporais e cognitivas dos indivíduos, que devem se tornar empreendedores de si mesmos".

Para terminar deixo uma passagem do livro de Rubem Alves para refletirmos se vamos continuar a ter escolas que "são gaiolas ou escolas que são asas":


" Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. 
Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, 
o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. 
Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. 
O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. 
Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. 
O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."


Saiba mais:

Ebook do livro Pinóquio as Avessas: uma estória sobre crianças e escolas para os pais e professores  clique aqui

Biografia de Rubem Alves clique aqui

Michel Foucault, um critico da instituição escolar
http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/critico-instituicao-escolar-423110.shtml

Pensar a educação depois de Foucault
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pensar-a-educacao-depois-de-foucault/

Letra completa da música: Another Brick in the wall
http://www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall-traducao.html

Veja também: